língua



suas palavras úmidas
de rio descendo montanhas
chegam a mim como ondas
de um mar que me lambe
e inebria

[começo a suar uma poesia
que é cheia do sal
da sua língua]



o peso




demorado, pessoal e intransferível
desmoronamento
às seis da manhã quando tudo morre
não há mais restos sobre a pia
apenas um imenso branco
manchado
de minha máscara derretida
que escorre pelo ralo
livrando-me do que sou


às seis da manhã ainda não
acordei de um sonho ou pesadelo
sou apenas delírio
um corpo astral em declínio
há um peso cimento em meus ossos
há um todo que eu não sou
há um todo que não sei ver


às seis quando eu furo meus olhos
às seis quando todos os artifícios falham
minha eterna negação
chega, espelho: não quero saber
se há alguém mais






* Poema escrito com Diego Paleólogo

efeito borboleta



não sei o que isso tem a ver com a nossa vida ou se chega mesmo a ter alguma coisa em nossas vidas que possa se fazer nossa um dia, embora eu perceba algumas das infinitas possibilidades de chegadas e partidas das quais ganharíamos algumas e perderíamos outras coisas na saída... e nem sei se haveria mesmo uma saída para nós além das contramãos nas maçanetas de portas abertas ou fechadas nas quais experimentaríamos cada uma das chaves que encontrássemos sob um provável vaso intencionalmente colocado nesse chão em que piso que vai até você que vive em outra realidade apenas separada por um mapa que não me serve de guia apesar de todos os satélites artificiais a distinguirem nessas paralelas e meridianas linhas que alguém isento de saudade e de desejos teve a estúpida idéia de desenhar só para demonstrar a distância que vez ou outra transformo em um poema que grita tanto quanto eu que falo baixo a mim mesma sobre minhas fantasias de trepar um dia inteiro com você e de recitar poesias e de querer o secreto que há em nós que somos estranhos um ao outro fora do sonho... e isso me faz lembrar de que ainda preciso olhar para o que é concreto e real e feito de tijolos ou aço ou plástico ou madeira ou ferro ou qualquer outra coisa palpável antes de atravessar as longas horas que os relógios anunciam quase num deboche ao mostrarem que você ainda não me aconteceu e talvez não aconteça nunca - esse nunca que é por sua ausência o avesso do sempre da sua presença em qualquer outro lugar longe da nossa hipotética vida que não tem nada a ver com nossas vidas mas que mesmo assim me faz pensar nessas infinitas possibilidades...




pagã



todas as noites
há um deus que me rapta
e me torna imortal
e o amor e a romã
correspondem-se em segredo
nesse rapto consensual



lunar



com os olhos cheios de noites
inexoráveis
entrego-me à fantasia
de fazer amor por poesia
[inominado desejo
que me leva a fixar-me
em sua órbita de palavras]



versos horizontais



copacabana está fria
e o horizonte distante
sobre a minha cabeça
nuvens, gaivotas e versos
faço poemas loucos
um por cima do outro
como se fizesse sexo
na areia molhada da praia
desejando acender
tua fogueira de palavras
para nossa poesia-luau



verona



céu à boca aberta


sorrisos de luas e estrelas
refletem-me miranda


meus precipícios ainda gravitam
em tua órbita de palavras


erva-de-passarinho



brotavam umas idéias estranhas
algumas de um inconcebível nunca
e muitas de um impermanente sempre

mas as flores e as árvores
ainda eram a maioria

e todas essas idéias floridas
aromáticas e eternas
ele plantava na cabeça
- na minha!

arrancá-las doeu à beça...